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Com salários congelados, servidores rechaçam rótulo de privilegiados

Com salários congelados há anos, pagamentos atrasados e às vezes ganhando o equivalente a cerca de dois salários mínimos, servidores públicos estaduais rechaçam o rótulo de “lobistas” e privilegiados por possuírem estabilidade.

São professores, policiais e enfermeiros que tentam garantir o reajuste salarial, cujo veto foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele tem apoio de governadores para que o possível veto não seja derrubado.

Eles discordam da comparação com o setor privado, onde há demissões e cortes salariais, por causa do impacto do novo coronavírus na economia. Policiais e enfermeiros não podem cumprir home office, por exemplo, e há casos confirmados de Covid-19 e mortos nessas categorias de servidores, dizem.

“Oito policiais já morreram e 226 estão infectados infectados. Destes, 33 estão internados em estado grave”, diz o soldado Marco Prisco Caldas Machado, coordenador da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares (Aspra) da Bahia e deputado estadual (PSC).

“É hipocrisia e demagogia [governadores falarem em lobby]. Se mostrarem uma vantagem, mostro milhares de desvantagens. Nosso salário é absurdo. O inicial é cerca de R$ 3.000 e bruto fica R$ 1.800. A maioria está endividado e não tem casa própria. Policiais são assassinados porque são identificados, moram próximos dos marginais”, desabafa.

Regularidade que os servidores gaúchos não têm há 54 meses, desde que os salários passaram a ser parcelados. Juízes e promotores, porém, recebem normalmente no Rio Grande do Sul —mesmo sendo servidores públicos, o orçamento dos poderes é independente.

São seis anos sem reajuste (oito, se o veto de Bolsonaro não for derrubado).

“Os professores estão endividados. Se querem receber em dia, precisam fazer empréstimo no banco [Banrisul, do estado]. Estamos distribuindo cestas básicas. Alguns têm até 30% de desconto por causa da greve”, conta Helenir Aguiar Schürer, presidente do Cpers, sindicato da categoria.

Professores gaúchos ganhavam R$ 1.800 por 40 horas, explica Schürer. Por ser abaixo do piso nacional da categoria, o estado complementava com verbas como triênios, A complementação foi retirada e incorporada ao salário, explica a sindicalista.

Na audiência com o presidente na última quinta-feira (22), o governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou que “sem dúvida nenhuma” apoiaria o veto aos reajustes.

Em São Paulo, o salário de professores da rede estadual também depende de um abono para chegar ao piso nacional de R$ 2.886,24.

Se o congelamento for confirmado, a categoria promete ir à Justiça, segundo a deputada estadual professora Bebel (PT), presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).

Ela diz que o pacote de socorro aos estados não deve ser condicionado à proibição de reajuste aos servidores de quaisquer categorias.

“Os estados têm um compromisso com os seus servidores. Se ele [o presidente Jair Bolsonaro] vetar [a liberação para os reajustes de algumas categorias] vai piorar ainda mais a situação. Então para que mandar dinheiro se ele vem para punir quem está na linha de frente do combate ao coronavírus”, diz.

A presidente do sindicato dos professores diz que para o funcionalismo, como um todo, uma medida desse tipo desestimula a permanência no serviço público. “Você acha que um servidor vai se arriscar em uma pandemia por R$ 1.000 de salário e sabendo que não vai ter aumento por dois anos?”

No Rio de Janeiro, uma das categorias mais expostas à Covid-19 também sente o poder de compra reduzido por não ter reajustes.

“Não sei que privilégio é esse. Nosso salário é de R$ 1.664 para 24h semanais, sem adicional noturno, com um valor por insalubridade de R$ 100 e uma gratificação por desempenho que não entra na aposentadoria. O vale-alimentação não paga um sanduíche hoje em dia”, diz Marco Schiavo, enfermeiro concursado e coordenador do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro (SindnerfRJ).

O governador Wilson Witzel (PSC) também não dará reajuste. O governo alega que enfrenta redução de receitas com a queda do preço do petróleo e está proibido de reajustar salários por ter aderido ao Plano de Recuperação Fiscal.

Em Mato Grosso do Sul, além da possibilidade de congelamento dos salários, os servidores estaduais terão impacto da reforma da previdência estadual, aprovada nesta quinta-feira (21) pela Assembleia Legislativa e sancionada na sexta pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB).

Ela aumenta em 3% as alíquotas de contribuição da ativa e passa a cobrar 14% dos inativos, que não pagavam até então. Os decréscimos nos salários dos servidores da Polícia Civil significam descontos de R$ 180 a R$ 710, segundo Giancarlo Correa Miranda, presidente do sindicato da categoria em MS (Sinpol).

Sobre o congelamento, ele afirma que a medida tira a possibilidade de pleitearem formas de equalizar perdas, com cobrança de insalubridade, por exemplo.

“[Bolsonaro] vetando [a exclusão de servidores da saúde e segurança] e tirando possibilidade de promoção, progressão e aumento salarial é muito drástico. Não sei porque elegeram o servidor público como inimigo da nação”, diz Miranda.

O setor estadual da saúde está há dois anos sem reajuste, segundo Ricardo Bueno, presidente do sindicato de seguridade social, que reúne a categoria no estado.

“Se for mais dois anos, vamos ter quatro anos sem reajuste”, diz ele, salientando que os casos no estado deram um salto esta semana, com registros em Guia Lopes da Laguna, próximo a Bonito. “Temos 79 municípios no estado, só 11 têm leitos de UTI, essa cidade que está o surto está vindo para o Hospital Regional de Campo Grande”.

Em Minas, em março, Romeu Zema (Novo) sancionou parcialmente reajustes para a segurança pública e vetou aos demais setores do funcionalismo. Os trabalhadores da educação cobravam o cumprimento do piso nacional.

Segundo Denise Romano, coordenadora geral do sindicato dos trabalhadores estaduais em educação (Sind-UTE), o salário de R$ 1.982,54 para chegar ao piso deveria ser de 2.886,24 — reajuste de 45,5%. O último reajuste da categoria em Minas foi em 2016.

“Nós já fomos penalizados com a reforma da previdência, o governo do estado quer reajustar a alíquota de contribuição dos servidores estaduais — não sabemos qual o índice porque o governo ainda não enviou o projeto à Assembleia Legislativa. Estamos trabalhando com o arrocho dos arrochos”, diz ela.

No Amazonas, onde o sistema de saúde entrou em colapso com a pandemia, os servidores da saúde tem dois anos de perdas a serem repostos, relativos a 2016 e 2017, segundo Cleidinir Francisca do Socorro, presidente do sindicato dos trabalhadores públicos da saúde, além de progressões de carreira e promoções que pararam.

O acordo com o governo de Wilson Lima (PSC), segundo ela, previa pagamento das reposições parceladas mais a data-base. Dos 25,3 mil casos confirmados no estado, cerca de 2 mil são profissionais da saúde, diz ela. No começo de maio, o governo apontava que 5,5% dos profissionais de Manaus estavam infectados.

“Agora o povo está em pânico. Apesar de termos perdido colegas nossos com a pandemia, vem essa notícia do congelamento”, explica ela. “A sociedade brasileira, agora que acordou para a importância dos servidores, que estão na linha de frente [do combate ao novo coronavírus]”.

FONTE: Folha de São Paulo

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